Casal de “pastores” homossexuais é o primeiro do Rio a registrar união estável

Casal de

Os se autointitulados pastores evangélicos Marcos Gladstone e Fábio Inácio, fundadores da Igreja Cristã Contemporânea, foram o primeiro casal homossexual no Rio a registrar a união estável em cartório, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os dois oficializaram a união no cartório do 7º Ofício de Notas, no Centro do Rio. A assinatura do documento foi acompanhada por alguns fiéis da igreja.

“Hoje eu me sinto orgulhoso de ser brasileiro e de saber que o meu afeto e o meu amor são reconhecidos pelas nossas leis” afirmou Marcos.

Os pastores estão juntos há cinco anos. Em 2009, eles realizaram uma cerimônia religiosa de casamento. Há dois meses, o casal iniciou o processo de adoção de duas crianças. Apesar da conquista com a decisão do STF, Fábio garante que a luta pelos direitos dos homossexuais vai continuar.

“Depois de hoje, teremos um vínculo muito maior. O próximo passo será conseguir o registro civil”.

A tabeliã Edyanne Frota, do 7º Ofício de Notas, explica que a união estável faz com que o casal gay adquira um novo status.

“Agora eles serão vistos como uma entidade familiar. Mas é importante frisar que a lei ainda não regulamenta a união civil. No registro, eles continuam solteiros”.

ATUALIZAÇÃO COM O DEPOIMENTO DE MARCOS E FÁBIO

Sou cristão e gay. Jesus e a Bíblia são meus modelos de comportamento. Acredito no casamento e meu sonho de construir uma família se tornou realidade. Me casei em 2009 com o amor da minha vida. Ele também é um homem de Deus e é pastor como eu. Juntos, fundamos a Igreja Cristã Contemporânea, uma igreja que aceita relacionamentos homossexuais.

Estou certo de que a Bíblia não condena os gays. Sou o primeiro pastor brasileiro a ter uma cerimônia religiosa de casamento com outro homem. Dos 30 pares de padrinhos que convidamos, 29 eram homossexuais. Todas as 11 crianças que entraram na nossa frente foram criadas por dois pais ou duas mães. Quando entramos, tocou uma música evangélica que diz: “Nenhuma condenação há para aquele que está em Jesus”.

Nossa lua de mel foi na Costa do Sauípe. Quando cheguei naquele paraíso, passou um filme na minha cabeça. Como foi longo e difícil o caminho que precisei percorrer até me tornar pastor e casar com o Fábio…

Virei evangélico aos 14 anos

Ainda estava na puberdade quando me encontrei com Jesus. Aos 14 anos passei a ir à igreja seis dias por semana. Virava madrugadas estudando a Bíblia, adorava pregar sermões, e aos 17 anos tive certeza da minha vocação para ser pastor.

Aos 19 encontrei uma garota com quem namorei por quatro anos. Cheguei a ficar noivo. Meu futuro parecia traçado, não fosse por um segredo: me sentia atraído por outros rapazes. Eu sabia que isso inviabilizaria meu sonho de ser pastor e que eu jamais poderia casar com um homem. A igreja não admitia isso.

Resolvi me assumir numa boate gay e rompi meu noivado

Era 1999, eu tinha 23 anos e fui visitar um amigo nos Estados Unidos. Certo dia, ele me levou até uma boate gay. Fiquei assustado quando vi tantos homens se beijando! Comecei a fazer as minhas orações: “Deus, por que o Senhor me trouxe neste lugar?”. Depois de muito orar, uma voz falou no meu coração: “Sua homossexualidade é pra sempre, você nasceu assim”.

Cheguei ao Brasil e rompi meu noivado. A notícia sobre minha orientação sexual se espalhou rápido e não tive coragem de voltar ao templo.

A maioria das igrejas evangélicas só aceita gays que queiram mudar a própria orientação. Mas eu não queria mudar a minha. Nem acredito nessa possibilidade!. Estava decidido a viver a minha homossexualidade. Foi nessa época que, pela primeira vez, me envolvi sexualmente com rapazes. Os anos seguintes foram difíceis. Eu morria de saudade da igreja e tinha vontade de voltar a pregar. Ser pastor estava no meu sangue.

Comecei a pesquisar igrejas gays

Procurei informações sobre igrejas gays norte-americanas e criei um site propondo uma outra maneira de ler a Bíblia. Por exemplo: quase nenhuma igreja aceita o casamento entre pessoas do mesmo sexo, alegando que a Bíblia fala que os efeminados não vão ao céu. mas o termo “efeminado” está mal traduzido – o que o original diz é “mole”.

Por essas e outras que os relacionamentos entre homossexuais continuam não sendo admitidos nas igrejas. Criei uma alternativa a elas: em meados de 2002 abri um grupo evangélico para acolher as pessoas que procuram um espaço pra manifestar sua religiosidade cristã ao mesmo tempo em que vivem sua homossexualidade com tranquilidade.

Conheci o Fábio no grupo

Por volta de 2005 o Fábio começou a frequentar o grupo. Passamos a nos paquerar e a sonhar com uma igreja pra acolher homossexuais. Afinal, nosso jeito de expressar afeto tem tudo a ver com a nossa sexualidade.

Deu certo. Em setembro de 2006 assumimos o nosso relacionamento e fundamos a Igreja Cristã Contemporânea. Em dez anos, já juntamos mais de 3 mil pessoas em dez templos – são seis no Rio, dois em São Paulo e dois em Minas Gerais.

Na nossa congregação, defendemos o início da vida sexual durante o namoro, mesmo. Ao contrário das outras igrejas, pregamos que namorados podem ter vida sexual, desde que estejam comprometidos.

Somos legalmente casados e temos três lindos filhos

Do namoro até o noivado foi um ano. Coroamos nossa história de amor no altar, em 2009. Naquela época, os casamentos entre homossexuais não eram reconhecidos no Brasil. No entanto, fomos até um cartório e fizemos uma escritura declaratória de união homoafetiva. Oficialmente, ela não tem o mesmo valor que um contrato de casamento.

Em 2011, o Brasil passou a reconhecer a união estável homoafetiva, então fizemos uma. Não podíamos usar o mesmo sobrenome nem mudar o estado civil, mas já era algo. Em 2013, o país evolui mais e pudemos finalmente nos casar legalmente. O Fabio passou oficialmente para a família Canuto!

Nessa época, já tínhamos adotado dois filhos, o Davison, de 14 anos e o Felipe, de 12 anos. Hoje eles têm nosso sobrenome e uma certidão de nascimento com dois pais! Há seis meses adotamos a Hadassa Gladstone Canuto, que hoje tem 10 meses e dois pais. Ficamos quatro longos anos no processo de adoção. Mas sou feliz em dizer que não tivemos obstáculos específicos por sermos gays. Só enfrentamos as burocracias comuns para adotar uma criança. Por isso, montamos um grupo de apoio à adoção dentro da igreja, onde ajudamos casais a entender o processo inteiro e reforçamos a responsabilidade de acolher uma vida!

Temos três filhos: o Davison, de 14 anos, o Felipe, de 12 anos, e a Hadassa, de 10 meses

Amem incondicionalmente, como Jesus fez

Muitas mães heterossexuais frequentam a igreja por causa dos filhos. Isso é amor. Os nossos nos ensinaram muita coisa. Sou um pastor melhor por causa deles! A igreja Cristã precisa ser mais humana, compreender a diversidade. Deus não queria uma torre onde todas as pessoas falassem a mesma língua, Ele sabia que haveria a pluralidade e ela existe, está em todo lugar. Minha mensagem segue a mesma: amar, como Jesus fez. Ele não se preocupava em caracterizar uma pessoa pelo pecado, cor, classe ou religião. A gente só precisa amar!

Marcos Gladstone, 40 anos, advogado e pastor evangélico, Rio de Janeiro, RJ

“Pensei que fosse o demônio”

“Aos 18 anos eu já era pastor da Igreja Universal do Reino de Deus e tinha uma namorada. A homossexualidade me perturbava, eu achava que possuía o demônio no corpo. Certo dia, aos 24 anos, fui procurado por um obreiro que confessou que se sentia atraído por um homem. Como logo eu iria aconselhá-lo? Decidi terminar meu namoro e sair da igreja sem contar nada.

Sentindo-me incompleto, comecei a frequentar baladas e a transar com rapazes. As coisas mudaram quando fui ao grupo do Marcos. Ele foi o primeiro homem que eu amei. Hoje vivo em paz com Deus e com minhas escolhas, não preciso de mais nada. Tudo que pedi a Deus me foi concedido. Se Jesus estivesse aqui, em terra, ele estaria no meio da minha família. Ele é amor e sempre andou entre os excluídos. Basta amar!”

Fábio Inácio, 36 anos, pastor evangélico, marido do Marcos